quarta-feira, julho 06, 2005
Crônica - Marcelo Canellas
Aqui vai a crônica do Canellas que a Lu pediu para ele escrever para o InfoDA...
VERDES ANOS
Um poema do Maiakovski. Uma frase do Che. Juras de amor. Palavras de ordem. Arte abstrata. Piada de salão. Subliteratura. Só não podia estar limpa, asséptica, nua de significado. Porque aquela vidraça era a nossa garganta e a tinta que nela imprimíamos, a nossa voz. Aquele espaço estéril dando sopa? Pronto, o saguão do prédio 20 fez-se possessão do DACOM, extensão da sala minúscula – migalha que nos concederam no andar de baixo.Nossos vizinhos da Farmácia e da Medicina passavam por aquele imenso painel de expressões múltiplas (e democrático-psicodélicas) com aquele suspiro benevolente dos enquadrados:
- Esse pessoal da Comunicação...
A gente não ligava. A gente agia. Greve, passeata, debate, protesto. Assembléia do DACOM era um acontecimento que atraía até gente das Rurais. Noventa por cento de freqüência. Sei lá, acho que era coisa de curso pequeno, todo mundo se conhecia. E, sobretudo, todo mundo sabia onde o sapato apertava. Se a gente não brigasse por equipamento, o que seria da nossa formação profissional? Quando entrei na faculdade, não tínhamos sequer um estúdio de rádio. Ué, mas e a Rádio Universidade? Por que não poderíamos ter um programa lá? Incrível, mas não tínhamos. Os estudantes não botavam o pé lá. Então botamos o pé na porta. E entramos, desvirginando o último andar da reitoria. Não quero parecer saudosista, mas acho que havia um envolvimento fomentado pelo contexto da época. Quando entrei na faculdade, em 1984, vivemos aquela avalanche da campanha das Diretas Já. A vontade de eleger o presidente do Brasil e sepultar a ditadura militar criou uma onda democrática que nos permitiu, pouco depois, eleger o reitor. Ao professor Gilberto Benetti coube a honra de ser o primeiro reitor eleito e empossado pela comunidade universitária.Lembro de uma assembléia unificada, a primeira da história da UFSM. Cinco mil estudantes, professores e funcionários lotaram as arquibancadas do estádio da Educação Física para discutir os problemas da instituição. A Comunicação, claro, estava lá. Sempre estávamos. Fui presidente do DACOM na gestão 1985/1986. Depois fui diretor de Humanas do DCE. Também fui da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação e, até a véspera da formatura, fui representante dos alunos na Comissão Nacional pela Melhoria do Ensino de Jornalismo. Me meti em política estudantil do primeiro ao último dia de faculdade. E acho que isso ajudou a me formar como repórter. Justamente porque não separo o cidadão do jornalista. Porque o jornalismo trata das contradições da vida, algo que a ação política enfrenta a todo o momento. Claro que com ferramentas e objetivos distintos. Jornalismo é muito diferente da ação política. Sou repórter, não sou vereador nem deputado. E nem quero ser. Mas se tivesse apenas me dedicado aos estudos e esquecido o mundo eletrizante que fervilhava em minha volta teria sido tudo, menos curioso, inquieto, crítico. Ou seja, teria desprezado a essência da reportagem. Quem jogou fora aqueles verdes anos achando que estava se preparando para exercer esse nosso ofício não cometeu apenas um equívoco. Esqueceu-se de viver.
Marcelo Canellas.
VERDES ANOS
Um poema do Maiakovski. Uma frase do Che. Juras de amor. Palavras de ordem. Arte abstrata. Piada de salão. Subliteratura. Só não podia estar limpa, asséptica, nua de significado. Porque aquela vidraça era a nossa garganta e a tinta que nela imprimíamos, a nossa voz. Aquele espaço estéril dando sopa? Pronto, o saguão do prédio 20 fez-se possessão do DACOM, extensão da sala minúscula – migalha que nos concederam no andar de baixo.Nossos vizinhos da Farmácia e da Medicina passavam por aquele imenso painel de expressões múltiplas (e democrático-psicodélicas) com aquele suspiro benevolente dos enquadrados:
- Esse pessoal da Comunicação...
A gente não ligava. A gente agia. Greve, passeata, debate, protesto. Assembléia do DACOM era um acontecimento que atraía até gente das Rurais. Noventa por cento de freqüência. Sei lá, acho que era coisa de curso pequeno, todo mundo se conhecia. E, sobretudo, todo mundo sabia onde o sapato apertava. Se a gente não brigasse por equipamento, o que seria da nossa formação profissional? Quando entrei na faculdade, não tínhamos sequer um estúdio de rádio. Ué, mas e a Rádio Universidade? Por que não poderíamos ter um programa lá? Incrível, mas não tínhamos. Os estudantes não botavam o pé lá. Então botamos o pé na porta. E entramos, desvirginando o último andar da reitoria. Não quero parecer saudosista, mas acho que havia um envolvimento fomentado pelo contexto da época. Quando entrei na faculdade, em 1984, vivemos aquela avalanche da campanha das Diretas Já. A vontade de eleger o presidente do Brasil e sepultar a ditadura militar criou uma onda democrática que nos permitiu, pouco depois, eleger o reitor. Ao professor Gilberto Benetti coube a honra de ser o primeiro reitor eleito e empossado pela comunidade universitária.Lembro de uma assembléia unificada, a primeira da história da UFSM. Cinco mil estudantes, professores e funcionários lotaram as arquibancadas do estádio da Educação Física para discutir os problemas da instituição. A Comunicação, claro, estava lá. Sempre estávamos. Fui presidente do DACOM na gestão 1985/1986. Depois fui diretor de Humanas do DCE. Também fui da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação e, até a véspera da formatura, fui representante dos alunos na Comissão Nacional pela Melhoria do Ensino de Jornalismo. Me meti em política estudantil do primeiro ao último dia de faculdade. E acho que isso ajudou a me formar como repórter. Justamente porque não separo o cidadão do jornalista. Porque o jornalismo trata das contradições da vida, algo que a ação política enfrenta a todo o momento. Claro que com ferramentas e objetivos distintos. Jornalismo é muito diferente da ação política. Sou repórter, não sou vereador nem deputado. E nem quero ser. Mas se tivesse apenas me dedicado aos estudos e esquecido o mundo eletrizante que fervilhava em minha volta teria sido tudo, menos curioso, inquieto, crítico. Ou seja, teria desprezado a essência da reportagem. Quem jogou fora aqueles verdes anos achando que estava se preparando para exercer esse nosso ofício não cometeu apenas um equívoco. Esqueceu-se de viver.
Marcelo Canellas.